O Violinista
Luís caminhava lentamente rua abaixo em direcção à sua casa (se é que se pode chamar aquilo de casa) de violino na mão depois de passar mais um dia no metro a tentar que alguns dos seus ouvintes o recompensem com mais do que uns sorrisos, mas os seus bolsos estavam quase vazios como sempre.
Finalmente chegou à porta de casa, já nem a fechava à chave. Para quê? De qualquer maneira, nunca ninguém quereria viver num sítio daqueles. Encostou a mão à porta emperrada e tentou abri-la com todas as suas forças, mas foi inútil, também não lhe fazia diferença, já era tempo de se começar a habituar a dormir nas ruas outra vez, já não iria conseguir pagar a renda daquela espelunca por muito tempo. Em tempos não fora assim, vivera naquela casa com um “colega de trabalho”, também ele tocava música no metro para arranjar alguns trocos, juntos conseguiram alugar e pagar esta casa. Era um tipo divertido o Andrade, nunca o vira em baixo. Estava sempre sorridente, nem mesmo quando lhe mandavam umas bocas ou não fazia dinheiro nenhum se ia abaixo. Mas um dia desapareceu sem deixar rasto. O Luís sentia a falta dele, o Andrade conseguia sempre animá-lo.
Sentou-se no degrau, enjoado só de pensar que no dia seguinte teria de voltar a pôr os pés no detestável metro, já nem a música atenuava a sua repulsa pelo transporte público, a ideia de estar debaixo de terra deixava-o desconfortável, sentia-se preso e como se tivesse dificuldade em respirar, só de estar no metro se cansava. Estava sempre cheio de gente apressada, ainda por cima gente que não apreciava a sua música. Também não admirava, ultimamente andava a tocar muito mal, especialmente depois do desaparecimento do Andrade. Recostou-se o melhor que pode no degrau da porta, o cansaço era muito e rapidamente adormeceu.
O Luís entrou no comboio, apoiou-se nas portas, encostou o violino ao queixo e começou a tocar, percorreu a carruagem do metro com um copo de plástico que saiu como tinha entrado: vazio. E pensar que era algo como isto que o Luís sempre quis: tocar a solo ou numa orquestra com pessoas como ele, que adoram a música e vivem para ela. Queria ser reconhecido por todos como um grande músico e, claro, receber algum dinheiro, mas apenas o suficiente para se manter e ter uma casa condigna sem portas empenadas, nem ratos...
Ao sair da estação reparou num homem com cara de poucos amigos, o olhar dele incomodava-o. Conhecia-o, não se lembrava de onde. Mas não fez caso e continuou no seu caminho para casa. Quando ia dobrar a esquina da sua rua sentiu que alguém o seguia, olhou para trás e deu de caras com aquele homem com mais dois que o acompanhavam. Finalmente lembrou-se, tinha-o visto uma vez com o Andrade, mas a cara dele estava diferente, menos sisudo do que agora. Os três homens rodearam-no e o primeiro aproximou-se dele:
- O que é que fizeste ao Andrade?
- Desculpe? – respondeu o Luís atarantado.
- Tu não me mintas, ‘tás a ouvir? – disse o indivíduo com os dentes cerrados – Ele não ia desaparecer assim do nada!
Luís não respondeu, ele próprio não sabia porque é que o seu único amigo tinha desaparecido tão abruptamente. Aconteceu tudo muito rapidamente, sentiu um uma dor intensa na cara e ficou estendido no chão, o homem atirou-se, louco, para cima dele e começou-o a esmurrá-lo. Agarrou-lhe pelo colarinho e rosnou:
- Não acabo contigo agora por respeito pelo Andrade, mas se te encontrar outra vez no metro, acabo contigo!
Atirou-o para o chão e afastou-se. O Luís ficou por momentos no chão, fazendo esforçando-se para não chorar, estava farto disto, desta vida de vadio, sentia-se no lixo, completamente desanimado já nem a música o prendia à vida. Levantou-se, pegou no violino e caminhou em direcção a sua casa, quando chegou deixou-se escorregar para o degrau da porta e ficou ali absorvido nos seus negros pensamentos. Estava a perder a esperança, o seu sonho nunca se tornaria realidade, lutar diariamente para sobreviver, porquê? Para quê? Não valia a pena, e ninguém sentiria a sua falta. Acabaria com aquele sofrimento e a morte libertá-lo-ia.
Amanhecia, sentia-se cada vez mais determinado. Estava decidido, apenas queria tocar uma vez mais, despedir-se da paixão da sua vida. Ali mesmo no cais, tirou o violino da caixa, indiferente a tudo e todos, respirou fundo, fechou os olhos e do seu violino começou a sair uma melodia bela e envolvente que se estendeu a toda a estação. Aos poucos, as pessoas começaram a olhar, a parar e ouvir. Nem o barulho dos comboios incomodava. Do violino saiu a última nota. O Luís abriu os olhos, estava rodeado de gente a aplaudir entusiasticamente, em circunstancias diferentes teria ficado feliz, mas agora já não fazia a mínima diferença, tinha perdido a fé. Começou a andar mecanicamente, parou em cima da linha amarela e fixou o olhar nos carris, decidido. De repente, alguém lhe segurou no braço.
– Desculpe... desculpe...
Atordoado, o Luís voltou-se para trás. Um homem de cabelo grisalho, bem vestido dirigia-se a ele. O que quereria? Acusá-lo de alguma coisa, certamente.
- ... Eu sou um maestro da orquestra metropolitana de Lisboa e gostei muito de o ouvir tocar.
Luís estava sem palavras.
- O senhor não é músico profissional, pois não? – perguntou o maestro.
Incapaz de falar, acenou negativamente.
- Não gostaria de o ser? Venha, deixe-me pagar-lhe um copo.
Pela primeira vez em muito tempo Luís sorriu, mal queria acreditar no que estava a ouvir...
João André Palma Venceslau
Esperança! Desejo, presença, utopia ou realidade que nos acompanha sempre. Que se busca e nos move. Que se transmite num sacrifício, reanimação, abraço, sorriso, toque, olhar, escuta, conversa ou simples presença. Orienta-nos! Há que lutar por ela e COM ela! Como o autor e meu grande amigo lutou até há pouco tempo. Como uma grande amiga o fez e faz também. Como também o faço, adoptando-a para o meu self ou partilhando-a com outros na vida pessoal, social ou laboral. É verdade, juntar traços de personalidade com Enfermagem pode dar uma explosão bombástica, pois mergulhar na imensidão das dimensões humanas é ganhar, contactar e assimilar muito da magia que caracteriza a vida. E possibilita a um adolescente presenciar de forma única o que apenas alguns terão possibilidade de o fazer mais tarde. Para tal "bagagem " há que gostar de amar, ter maturidade e responsabilidade (q.b. pois claro), conhecimentos ético-legais, científicos, abertura e bom senso e claro muita adrenalina, energia e irreverência da juventude para gastar! Por outro lado, há que aprender a viver com tal magia, que está longe de ter fronteiras e domadores minimamente natos. Erros e escorregadelas é algo que "Faz parte!" (SUECO 2000 e tal: pág. x)! Caro amigo João, adorei este texto , não só por todas as vezes que me senti ou me apelidaram de maestro, como por todas em que tive a sorte de puder apelidar alguém do mesmo! Grande abraço!
P.S: Vai um PES??
4 comments:
simplesmente fantástico...
grand abrç
yo, Johny. Obrigado pelo post.
Quanto ao PES já sabes. Quando quiseres levar uma cabazada é só vir cá ter :p
peace
é preciso lutar. Mas nunca ninguém disse que ia ser fácil... cc
Ha coisas k nunca se podem perder e a Esperança é akela k dizem que nunca morre...nao sabemos o k pode acontecer amanha. mas algo semelhante aconteceu connosco....podia a esperança de encontrar alguem assim tar a ficar perdida....mas mesmo sem querer o futuro pergou-nos uma partida e hj estamos aki, assim, juntos. E que felicidade...
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