Hoje o "I" toca num ponto sensível da prestação de cuidados médico, assim como de enfermagem: o diálogo com o doente em fase terminal sobre a morte. É um assunto delicado para o médico e para o enfermeiro. Para o primeiro, pelo início do diálogo sobre a reestruturação e planeamento dos cuidados médicos numa vertente puramente paliativa. Para o enfermeiro, pelo aspecto mencionados atrás e pela prestação de cuidados à pessoa que visem o acompanhamento, aceitação da doença e o potenciar da suas capacidades e competências afectadas. Compreendo que o médico tente mais a adiar este tipo de conversas já que o seu contacto e foco de intervenção é mais restrito do que o do enfermeiro. Este passa 24 h. com o doente (e é o ou um dos dos cuidadores de referência para a família) e procura ter uma abordagem bio-psico-socio-cultural e espiritual. Consequentemente, tem uma relação mais próxima com o doente e família e tem uma grande necessidade de gerir a informação que lhe é transmitida (a transmissão de diagnósticos e informações médicas - das quais o enfermeiro não tem responsabilidade de diagnóstico, planeamento e execução- é da responsabilidade do médico), componente fundamental no estabelecimento de uma relação de ajuda, um dos principais objectivos do profissional de enfermagem.
Este tipo de conversas nunca é fácil para qualquer profissional de saúde, pela difícil mensagem implícita, pela tristeza da mesma, porque é sempre muito difícil evitar fazer uma transferência sentimental para o doente (por mais ínfima que ela seja) - especialmente que cuida dele mais tempo- pela reestruturação de cuidados ao doente e família (que também precisa e de muito apoio, como o psicológico) e, por último, pela sensibilidade de todo este quadro, que acaba por chocar com a ou uma das bases da formação em saúde: a manutenção e a preservação da vida humana. Se bem que o paradigma biomédico do encarniçamento terapêutico esteja ultrapassado (efectuar todos as intervenções de saúde com vista a prolongar e manter a vida humana, mesmo que isso implique um maior ou o arrastar do sofrimento do utente, para um diagnóstico terminal, ou seja, inevitável; manter a vida do utente a "todo o custo"), o profissional de saúde procura sempre prolongar a vida do utente e, consequentemente, conversas sobre o fim de vida é um assumir da impotência do profissional de saúde para uma das coisas mais básicas e prioritárias da sua formação: a manutenção da vida.
Mas outra das prioridades (e mais facilmente para a enfermagem do que para a medicina, devido à diferente natureza das ciências) é potenciar o máximo de bem-estar e qualidade de vida, assim como a prestação de cuidados segundo os princípios éticos subsequentes à condição humana, como o princípio da autonomia.
Nem sempre é fácil a gestão e a prestação de cuidados de saúde neste contexto tão delicado, mas quem os presta tem que estar sensível para as fases do luto do doente e família. Como exemplo, menciono as fases de negação e isolamento, raiva, negociação, depressão e isolamento, mobilizadas do modelo de Kubler-Ross , o qual estou mais familiarizado ( ver aqui e aqui)
Tendo em conta estes contextos, acredito que o trabalho em equipa é essencial à prestação de cuidados de saúde de qualidade, tendo determinadas particularidades em várias realidades, como em unidades de cuidados paliativos.
O artigo do "I" não me surpreende. Penso ser tendencialmente mais difícil para um médico ter a sensibilidade para saber escolher o momento e a informação a transmitir ao doente /família no contexto aqui referido do que para o enfermeiro, pela natureza das disciplinas, o conhecimento inerente a cada uma e pela natureza da sua execução. " O momento certo" é uma questão bastante subjectiva, mas a medicina e o seus profissionais necessitarão sem dúvida de mais tempo para se ir adaptando a um paradigma mais humanista e holístico, cerne de outras ciências como a enfermagem, e que justifica a co-existência de todas nas abordagens ao utente.
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